segunda-feira, 12 de abril de 2010

A escolha de um bom marido!




Acho que o meu questionamento é diferente dos que você costuma responder. Eu tenho apenas 22 anos de idade, moro sozinha e estou me encaminhando para construir uma família, o que requer mais cautela para que eu tenha uma família saudável.

Durante muitos anos fui filha única, mas, hoje tenho uma irmã de 7 anos, e perdi o meu pai aos 11 meses de idade, tive uma infância muito sofrida pela falta do meu pai e o meu sonho sempre foi ter uma família normal. Sou muito carente em um relacionamento, mas também sou muito amável e carinhosa.

Minha mãe sempre foi empregada doméstica, e me criou com muito esforço, mas no fim eu dei certo. Sou Assistente social recém-formada e tenho o meu primeiro emprego exercendo a profissão. Namoro com um rapaz há 3 anos, e eu sempre me imaginei em um futuro com ele. Ele é muito calmo, muito carinhoso, me respeita, tem 23 anos e também está começando a vida, como eu.

Porém ele também é filho único, de mãe solteira e o único contato que teve com o pai foi um dia aos 12 anos quando seu pai foi judicialmente obrigado a registrá-lo. Ele disse que não quer ter contato algum com o pai e que para ele, ele não tem pai. Mas como ele sempre morou com a mãe, acabou criando uma relação que eu não acho saudável.

Aos 22 anos sua mãe não o autoriza a dormir na minha casa. Ele fura compromissos comigo porque de última hora sua mãe quer que ele o leve à casa de alguém. Ele não consegue decidir nada sem a ajuda minha ou da mãe dele e finalmente ele não tem planos de viver longe da sua mãe. Sua mãe tem 65 anos, é aposentada, e eu a acho muito sozinha, não faz muitas atividades e quando ele fica um pouco mais ausente de casa ela o desaprova. E ele faz de tudo para que ela não fique chateada com ele.

Existe uma possibilidade de eu conseguir a família saudável que pretendo construir com um rapaz tão ligado à mãe, a ponto de me deixar sempre em segundo plano? Estou exigindo muito querendo que ele tenha uma vida mais independente da sua mãe já que ele pretende um compromisso comigo? Essa simbiose dele com sua mãe é saudável? Será que pelo fato de ser muito carente estou exigindo muito dele?

A escolha de um bom marido!


Qual a garantia que se tem na escolha de alguém para um compromisso mais duradouro, no sentido de constituir uma família? Quando é que se pode afirmar tratar-se de uma boa escolha, uma escolha verdadeira? Por que razão isso que julgamos bom pode estar referido a uma distorção psíquica, paradoxal, a uma necessidade inconsciente de gozar no sofrimento, na ruptura, na dor. Pode-se escolher alguém justamente para não dar certo?

O problema apresentado por você é complexo e requer cuidados, pois diz respeito ao seu futuro. O que fazer? Isso deve partir de você. O problema de seu namorado é a dependência da mãe que ele carrega. Isto é problema dele! Será que ele sofre com isso?

Seu dilema em relação à aposta no seu relacionamento amoroso não é algo fácil de suportar, pois não se trata de simples escolha do homem de sua vida, mas, de como você realizará esta escolha. Quer dizer, de que lugar você se interrogará se esse é o parceiro que responde ao seu desejo de construir uma família.

O maior problema não é a escolha de um bom futuro marido, mas remonta a algo anterior, referido à origem de seu desejo. Somente a partir daí você vai poder construir uma escolha amorosa. Eu diria que você está numa encruzilhada, onde é preciso se questionar sobre o seu desejo. Nesse sentido, melhor seria você procurar um psicanalista e depois, sim, preocupar-se com namorado. Vá se perguntar o que teria sido um pai em sua vida. Qual lugar que você supõe ter ocupado no desejo dele.
Isto porque a sua escolha amorosa está contaminada. Você está buscando um homem para sua vida a partir de uma falta de pai. Um pai que se foi muito cedo, levando a um profundo trauma, que não é sem consequências. Que tristeza! Não queira, através de um marido, salvar seu pai. Procure se questionar pouco mais sobre este ponto, para fazer uma escolha limpa de perdas não elaboradas.

Você é uma garota de valor. Uma guerreira, que luta e que conseguiu sobreviver a perdas terríveis, irreparáveis, em sua história de vida. Sair de onde você saiu e caminhar tão bem como está caminhando, só Deus sabe, o investimento que tem feito para estar indo tão bem. Repare na sua escrita, ela é testemunha de alguém que tem muito para dar a si mesma. Você não vestiu o manto da vítima, foi à luta e tem muito mais pela frente. Se não se paralisar nesta história com esse rapaz, você poderá muito mais.

De onde parte a escolha de um homem ou de uma mulher para que se realize um casamento? Ela teria a ver com a história de cada um, tal como se deram as escolhas que pais e avós realizaram? Sim, é verdade que as escolhas que se realizam dependem dos modelos que se carrega na bagagem familiar: o desejo dos ancestrais, consciente ou não. Na maioria das vezes, a escolha se processa a partir daquilo que não se sabe e que se realiza sem saber muito bem o porquê. Somente se dá conta depois – veja, isso é inconsciente. “Puxa vida, dei voltas e voltas para fugir do modelo dos meus pais, e fui escolher a dedo, justamente alguém igualzinho ao papai ou, à mamãe”! Ou seja, as escolhas de um parceiro ou de uma parceira se estabelecem a partir de elementos que constituem a historicidade particular de cada sujeito, a despeito de se saber ou não. Escolhe-se, sim, a partir dos pais, ou melhor, a partir de uma referência que habita o psiquismo humano que se chama pai. “Mas, então, são meus pais que escolhem em mim?”. Sim! A vida inconsciente governa a vida de cada um: “faço um esforço enorme para não repetir a história de meus pais e, quando vejo, lá estou eu fazendo o mesmo ou pior”. É sempre assim, a não ser que você realize uma leitura clara do texto que rege sua vida.

Você diz que quer constituir uma boa família e que, portanto, está preocupada com seu namorado que é um bom garoto, mas que ainda se encontra ligado demais à mãe, monitorado por ela, prisioneiro de seus caprichos. Ele vive uma total divisão, pois tem uma namorada, mas parece estar casado com a mãe. Não se trata de algo simples, alcançável conscientemente. Não, a coisa é mais forte, como se diz, está na carne! Será que dá para você competir com ela? Digo mais, trata-se de uma batalha, de antemão já pelo outro lado. Uma mulher que queira se casar com um homem tem de encontrar na sua futura sogra uma boa cúmplice, não uma rival. Saia desta e introduza na relação com ele uma falta, pois será bom para os dois.

Lembre-se, minha cara, que não se trata de uma relação qualquer de um filho com uma mãe. Trata-se de uma estrutura doentia, pois ele ficou no lugar do homem desta mãe, ele teve um pai que ele próprio não reconheceu e isto é muito grave. A mãe deste rapaz tomou este filho como objeto de um gozo perverso.

Você acha que ele vai abandonar o confortável lugar de filho e marido da mãe, em troca de quê? Você mesma, em sã consciência, acredita que ele será capaz de pagar este preço? Como, de quê maneira, ele poderá acreditar que a mãe poderá sobreviver sem sua presença? Ele terá que elaborar muitas coisas, fazer o luto deste lugar que ele foi colocado - e que, portanto, se acomodou – de objeto de gozo desta mãe.

Ninguém escapa das identificações que se estabeleceram desde nossa primeira infância. Todo sujeito humano é escravo, é dependente do que recebeu de palavras, de traços, de escolhas, de modos, de condutas e, fundamentalmente, do que não é dito no ambiente em que se constituiu. E é aí que mora o perigo: daquilo que, por alguma razão, não é falado e que fica por se dizer habitando nas entrelinhas do discurso do casal. Por isso mesmo, para além do que é falado ou não para uma criança, há o tom, a modulação da voz, há o desvio do olhar, tudo aquilo que não é explícito quando os pais se dirigem aos filhos. O bebê, a criança, o jovem, capta tudo o que habita as entrelinhas da fala de seus pais: “Minha mãe está me dizendo isto, mas, para além do que ela me diz o que realmente ela quer me dizer?”. Está colocada a questão. O que este jovem captou desta mãe? E você, que perdeu seu pai com onze meses de nascida? Pergunte-se: porque justo este rapaz?

Você quer construir uma família saudável. Sua preocupação é justa, é legítima. Basta olhar para o seu histórico para observarmos quão dura foi a sua vida, o seu passado de desencontros, as suas faltas. Os escombros, as dúvidas, as descrenças, as incertezas, as inseguranças financeiras e emocionais, a falta de um pai. O lúgubre clima de um abandono! Não queira preencher esta falta com um “bom” marido. Arrume um homem que possa desejá-la como uma mulher.

Mas, você, minha cara já deu a volta por cima, é uma vencedora. Algo de muito bom a senhora sua mãe passou que permitiu a você trilhar o caminho da lei e das conquistas. Ao mesmo tempo, é aí que você deve estar atenta, pois ao querer fazer o contrário daquilo que se passou com a sua história familiar – você perde o pai muito cedo, filha de uma empregada doméstica. Você pode estar buscando o mesmo caminho.

De certa maneira, todos têm preocupações sobre o futuro de um investimento, tanto no plano afetivo quanto no âmbito profissional. Se o que se pretende fazer corresponderá ou não às expectativas, é assim que se vive frente aos projetos futuros. Faz-se o que se pode para que os resultados se aproximem do esperado. Procura-se, ao máximo, minimizar margens de erros. Há que se levar em conta algumas dificuldades. Aprende-se que a vida não é linear, tão pouco é domável assim, a partir de um simples querer consciente: “quero que dê certo, vou me esforçar para que seja como planejo. Quando me dou contas, já estou seguindo outro caminho, distante daquele que almejei”. Algo dentro da vida psíquica que leva cada um a percorrer caminhos diversos daqueles traçados antecipadamente, o sujeito humano é levado a fazer coisas contra seus próprios projetos, mesmo que se julgue não ser nada daquilo que se deseje para o futuro. A vida não é tão simples, ela requer um pensar maior, com questionamentos verdadeiros, elaborações e retificações das direções a serem seguidas. Ela determinada pelas vidas daqueles que carregamos como nossa história, nossas origens, nossos pais, nossos antepassados. Como pagar o preço para não repetir suas faltas, seus erros?


José Nazar


José Nazar é Médico Psiquiatra e Psicanalista. Especialização e Mestrado (Universidade do Brasil – UFRJ). Psicanalista Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise Brasília, Rio de Janeiro e Vitória. Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Psiquiátrica do Espírito Santo. Membro da Associação Médica do Espírito Santo (AMES). Editor Chefe da Companhia de Freud Editora. Autor do livro: Amor de Mãe. ?


Fonte: www.seculodiario.com.br



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