terça-feira, 26 de outubro de 2010

CARTA ABERTA A POPULAÇÃO


Associação dos Geógrafos Brasileiros- Seção Local - Vitória

É cada vez mais comum vários empreendimentos e complexos industriais serem aprovados sem respeito ao ambiente natural e as comunidades locais não só no estado do Espírito Santo, mas no Brasil como um todo. Isso ocorre tendo em vista que as legislações ambientais não são respeitadas e os órgãos competentes (Instituto Estadual do Meio Ambiente- IEMA, Instituto de Defesa Agropecuária e Agroflorestal- IDAF, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, etc.) não atuam da maneira que deveriam.

O Estado, comprometido com as grandes empresas e projetos,
acaba legitimando ações que comprometem os nossos recursos hídricos e naturais. Como exemplo no estado temos a questão do estaleiro da Jurong em Aracruz, o complexo siderúrgico da Vale (CSU) em Anchieta e a problemática dos lançamentos de dejetos industrias pela Suco Mais – Coca Cola em Linhares, só para citar três exemplos bem recentes.Em todos os casos há uma reprovação por parte da comunidade local, por pesquisadores e até mesmo por alguns técnicos do órgão ambiental responsável (fato que desencadeou em uma paralisação dos servidores do IEMA). Os técnicos que demonstram pareceres contrários a esses empreendimentos são pressionados e alguns até mesmo pedem demissão ou são demitidos. As comunidades afetadas são criminalizadas, processadas e intimadas por parte do poder público, da mídia e do aparato militar; e até mesmo pesquisadores são desconsiderados e subalternizados nesse processo.

A “tendência desenvolvimentista” vem impondo regras e medidas que contrapõem o equilíbrio da natureza. O discurso dominante está presente em todos os espaços: nossas casas, nas escolas e universidades, na mídia, na política, etc.


Em primeiro lugar vem a busca incessante pelo lucro forjado no conceito de “desenvolvimento econômico” que gera o desequilíbrio social-ambiental, tendo de um lado dominantes e de outro dominados excluídos.


Na década de 1950 foi criado a Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo – Findes que desde então exerce muita influência e controle sobre importantes decisões do estado do Espírito Santo. No seu ano de fundação, foi propagada a idéia que o café, base da economia capixaba, estava em crise, e as pautas da Findes viraram pautas do governo. Ou seja, a expulsão do homem do campo para as cidades para serem consumidores (e não mais produtores) vira mão de obra para as indústrias (lembrando que foi uma pequena parcela da população). Atualmente, outra pressão vem sendo feita por parte da Findes. Na revista de julho de 2010 do Sistema Findes há uma série de reivindicações para a área de licenciamento ambiental que, segundo eles, está lenta e impedindo o “crescimento econômico” do estado.


Segundo a autora do artigo, Jaqueline Vitoria, “hoje, o empreendedor disposto a investir no estado precisa, antes de tudo, de paciência”. E ainda completa: “Perde o empresário, que se vê impedido de crescer, perde a comunidade, que deixa de ter novos posto de trabalho, e perde o próprio estado, que poderia ter uma arrecadação de impostos maior”.


Contudo o que se vê na realidade é bem diferente, pois isso já passou por terras capixabas. O discurso do emprego por parte da Findes é superficial, os trabalhadores que atuam no processo de construção do empreendimento são, na sua maioria,
vindos(as) de fora da localidade de construção e poucos se tornarão efetivos da indústria, ou ainda, alguns na lógica neoliberal irão até trabalhar nesses empreendimentos, porém como funcionários terceirizados, tendo menos direitos trabalhistas, menores salários, etc.


As comunidades locais mais perdem do que ganham, vide exemplos das comunidades de Monteiro e Chapada do A em Anchieta (construção da CSU) ou da Barra do Riacho em Aracruz (Jurong, Fibria). Se se sentissem beneficiadas, estas comunidades não estariam se posicionado contra liberação da construção das indústrias (e também das que já estão em vigor). Pelo contrário, estas se sentem agredidas, alertando inclusive a sociedade para os impactos de graves proporções que esses complexos trariam em seus modos de vida.
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Ressalta-se ainda que as taxas de impostos são baixas em relação ao estrago que essas indústrias comprovadamente causam e ainda causarão no ambiente. Outro detalhe é que elas gastam muita mais água e energia, em muitos casos nada pagando, como é o caso da empresa Aracruz Celulose, a atual Fibria, em relação ao uso da água no seu complexo industrial celulósico, enquanto o consumidor na cidade paga muito caro. E ainda exploram os recursos naturais de maneira irresponsável, prejudicando comunidades locais, flora e a fauna.


Além de criar todo um discurso a favor dos empresários e grandes empreendimentos, o presidente do Conselho Superior de Meio Ambiente da Findes e proprietário da Cocrevi,Loreto Zanotto, diz que para diminuir a demora e os entraves legais existentes é preciso informatizar o acompanhamento dos processos nos órgãos ambientais.


Informatizar significa tecnificar o processo. E assim, fica claro que, além da agilidade, eles também procuram facilidades e privilégios para seus projetos. Chega-se ao caso do presidente da FINDES, Lucas Izoton, pedir mutirões para os processos burocráticos de licenciamento por parte dos órgãos públicos, colocando como prioridade os projetos que “geram” mais empregos e que injetam bilhões de reais na “nossa” economia. Embora, o pronome “nossa” se refira a toda a população, esse dinheiro acaba, na verdade, indo para o bolso deles, ou seja, para a “suas” economias.


Percebe-se no estado do ES que os processos de licenciamento ambiental requeridos por grandes projetos, quase sempre são aprovados não respeitando EIA-RIMAs ou mesmo mascarando os relatórios desses documentos. Segundo técnicos do IEMA “há uma pressão para que os técnicos emitissem pareceres favoráveis aos grandes empreendimentos. O caso da Jurong foi um rompimento, pois a direção deu parecer contrário ao dos técnicos, chegando alegar que a decisão dos técnicos foi imatura”.


Os grandes empreendimentos empresariais levam vantagens por meio da cumplicidade do Estado e seus órgãos de licenciamento, concedendo licenças duvidosas, desrespeitando pareceres técnicos, territórios comunitários, direitos humanos da população impactada, o meio natural preservado (APP), etc.


E a população, por sua vez, perde duas vezes: sofre os impactos desses grandes projetos, além de conviver com a precariedade (ou decadência) do serviço no atendimento das demandas de reais interesses populares. Para citar um caso, como exemplo, temos os pescadores e catadores de caranguejo de Cariacica. Segundo eles, “o IEMA não libera para que construíssemos uma casinha para nosso barco, mas libera a destruição do lado esquerdo do manguezal com construção daquele Alphaville. Aí depois que destrói eles pagam com serviço de compensação, que não compensa nada”.


Então algumas questões se colocam para reflexão da sociedade. A quem serve esse dito crescimento econômico? E as mazelas e exclusão social, quem paga?


As populações locais atingidas por complexos industriais podem nos dar um panorama sobre essa questão. Dar ouvido às vozes dos que foram impactados e pagaram com a perda de suas terras, de sua cultura e de seu modo de vida desde o fim da década de 1950 no estado pode nos ajudar a compreender melhor a história!


Associação dos Geógrafos Brasileiros- Seção Local - Vitória




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